INTERPRETAÇÃOO artista me sugere que em algum momento em nossas vidas (rotina) temos que parar para apreciar, simplesmente contemplar o que muitas vezes está próximo a nós e muitas vezes não se dá conta pelas tribulações do dia a dia. Mesmo tendo que deixar o pano de prato de lado por alguns minutos.
Esta obra é tudo de bom, pois quem não gostaria de parar e dar uma espiadela pela janela em um dia de verão às margens de um rio em Barcelona? Eu adoraria, pois gosto mais de observar do que de falar. Meu sonho de consumo é um apartamento com sacada só para apreciar a paisagem! Gosto também deste sossego de estar só, o que para muitos poderia caracterizar solidão. Mas eu aprecio estes momentos de pensamentos e reflexões individuais.
Mesmo sendo um ambiente interno, ele retrata-o bastante claro, com sombras que deixam a moça pensativa e elegante.
A moça aparenta ter uma personalidade calma por sua postura flexível inclinada para frente. O contrário, com os dois pés no chão em postura ereta poderia caracterizar tensão ou rigidez. Poderia ser talvez um pouco ansiosa se estiver esperando alguém chegar e não sendo muito magra sua silhueta revelam que pode estar se alimentando elem da conta o que reforçaria um comportamento de ansiedade.
Sua posição revela que está disposta a permanecer na janela por algum tempo sem pressa alguma.
Em nossa língua há inclusive uma expressão que diz “estar à toa”, ou “ver a banda passar”, como diria
Chico Buarque, referência inevitável a essa lembrança. Apreciem o vídeo sugerido e comparem.
Outra sugestão interdisciplinar é com o texto
“Mar português”, de Fernando Pessoa (parte X de seu longo canto à Portugal e suas glórias).
Estas obras tem muito a ver com minha vida, já que escolhi ser professora de arte logo tenho muito a observar e observar!
Voltando à tela, ao olhar fixamente por algum tempo sobre esta obra tenho sentimentos de tranquilidade, paz e nostalgia. Há uma energia e vibração causadas não só pelas linhas e também pelas cores, que requerem uma interpretação especial por sua simbologia.
O amarelo, cor da eternidade, amplo e ofuscante, é expansivo dando conta da permanência da moça em órbita.
O azul, como é bastante profundo, nosso olhar o penetra sem encontrar obstáculo e perde-se no infinito da paisagem; além de ser a cor dos mistérios da alma. Causa a impressão de desmaterialização, como algo que se transforma de real em imaginário.
Diante do azul, a lógica do pensamento consciente cede lugar à fantasia e aos sonhos que emergem do abismo de nosso mundo interior, abrindo as portas do inconsciente. Por sua indiferença, frigidez, impotência e passividade, aguda, que fere, ele atinge o clima do inumano e do supra-real. Acalma e tranquiliza para a purificação e busca a verdade interior. Pode exprimir distanciamento e aproximação.
Não é preciso dizer mais nada dos motivos que levaram Dalí a abusar desta cor fantástica. Tanto azul assim só poderia sugerir mesmo esta entrega incondicional.
O roxo com sua lucidez, a ação refletida, o equilíbrio entre o céu e a terra, os sentidos e o espírito, a paixão e a inteligência, o amor e a sabedoria mantém a moça ora entregue a paisagem, ora presente no ambiente Em tons claros, é alegre. Neste caso, o violeta, cor da alquimia e da magia; cor da espiritualidade, da intuição e da inspiração; cor de energia cósmica é símbolo da transformação e profundidade dá a Dalí inúmeras possibilidades de criação e, a nós, de imaginação.
Marrom ocre mostra a humildade, representa a estabilidade sólida e segura uma natureza rústica definidas com suas pernas e tábuas do piso.
O branco sugere o nascimento ou uma ressurreição. Sendo a cor da pureza inocência, verdade, esperança, felicidade e paz, age sobre nossa alma, como o silêncio absoluto. Funciona como luz, podendo simbolizar a candura e a claridade.
O aparecimento do preto indica a privação ou ausência de luz. Psicologicamente, encarna a profundeza da angústia infinita, em que o luto aparece como símbolo de perda irreparável. É o símbolo maior da frustração e da impossibilidade. Com a mistura do preto e o branco o cinza ameniza o peso do preto na tela dando elegância, humildade, respeito e sutileza a moça e reverencia a paisagem.
Acredito que sim não importam os motivos ou intenções que levaram esta moça até a janela, é da natureza humana o desejo de repousar procurar tranquilidade, observar, sonhar, refletir ou não fazer nada.
Antigamente o interior das casas era pintado com cores diferentes além do branco gelo e hoje estamos voltando a colorir o interior apenas uma parede com uma cor mais forte. Outras diferenças de época chamam a atenção, como o pé direito e a espessura da parede, o modelo da janela assim como a limpeza geral no ambiente e na paisagem. O pano branco e a roupa e o sapato claro denotam asseio rigoroso do passado, assim como a limpeza do rio coisa rara em nossos dias! Logo, a diferença está na falta de um pouco de poluição.
Uma semelhança é que a moça não aparenta riqueza e sim humildade, fato importante para um bom paciente sonhador.
A modelo (corpo arredondado) é bastante semelhante a muitas donas de casa ou jovens que moram com os pais e até mesmo só, sem o excesso de vaidade ou por puro sedentarismo acabam ganhando alguns quilinhos.
Certamente Dalí teria que pintar o mesmo tema se vivesse entre nós, reforçando os laços afetivos entre familiares, humanizando as relações, já que a afetividade entre irmãos anda em baixa. O olhar cada vez mais solicitado pelo bombardeio de poluição visual acrescido pelo imediatismo das tecnologias, além da agitada e complexa vida contemporânea; mais do que nunca é hora de parar para ter condições de seguir com segurança.
A vontade de parar, observar, sonhar, não deve ser mudada, deve ser mantida; o que devemos ter é a consciência de quando, onde e como fazê-la.
Com esta mesma consciência poderíamos enfrentar os problemas de ansiedade, poluição em todos os sentidos (ambiental, visual, sonora etc,) o acúmulo dos afazeres da vida contemporânea.
Certamente a arte pode e muito contribuir para a percepção, sensibilização e conscientização de indivíduos desatentos e ou alheios aos problemas pessoais, assim como os da atualidade, tornando-os mais críticos e humanizados.
Quanto ao contexto histórico, é sempre bom lembrar que em 1924, o poeta André Breton publica o
Manifesto Surreslista. A obra poderia ter outra conotação se levarmos em conta o ano de 1925, data de início do facismo de Benito Mussolline, na Itália.
Surge tambem na Alemanha a Nova Objetividade, estilo que propõe uma fotografia realista em reação ao pictorismo. Entre 1925-1926, Walter Gropius projeta e constrói o prédio da escola Bauhaus, na Alemanha.